Up in the Air

sábado, 6 de fevereiro de 2010



Com toda a calma, uma mulher, de bom aspecto, diz ter um plano. Há uma ponte perto de casa e ela decidiu deixar de ser um peso para si mesma. Não sabemos se tenciona fazê-lo. A sua calma é desarmante e suspeita. Que consequências terá esse acto? Poucas. Num mundo cada vez mais avesso às ligações, tudo parece importar menos. "Sério" torna-se insulto e assumir compromissos é perigoso, indica dependência e falta de autonomia.

As relações líquidas, irreais, espécie de pop-art, estão a tomar o lugar da realidade. Não do casamento ou da amizade. Estão a tomar o lugar dos laços. E do peso desses laços, que, muitas vezes, nos obriga a despedaçar os sonhos e a ficar em terra, à espera de uma liberdade que nunca chega.

A liberdade? Como a de Ryan Bingham. Só que, em vez das milhas, muitos de nós procuram rechear as contas bancárias. É assim tão diferente? Em vez de 10 milhões de milhas, 10 milhões de euros. Porquê e para quê? Porque é um número. Porque representa a substituição de qualquer coisa que nunca esteve lá.

Gostei muito de Up in the Air. É uma fotografia do mundo contemporâneo, como eu o represento. A corrosão da sensibilidade, a novilíngua projectista, um mundo cacofónico e, acima de tudo, asséptico.

Recomendo, a todos os fãs da flexigurança, a todos os fãs da liberalização desregulada das relações laborais, que vejam Up in the Air. Depois expliquem-me se ainda consideram "corrosão" uma imagem demasiado forte e inexacta.

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